terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Aula 4. Relações amorosas no mundo contemporâneo – Profa. Ms. Juliana Franzi

São Paulo, 29 de setembro de 2010

A partir de um estudo bibliográfico com enfoque no processo histórico da construção das relações amorosas, a Profa. Ms. Juliana Franzi analisou como valores e projeções afetivas nas mesmas se relacionam com casos de violência, tendenciam o comportamento de homens e mulheres, bem como influenciam suas escolhas afetivas.
Baseada em estudiosos como Valéria Amorim Arantes, Jane Felipe, Contardo Calligaris, Maria de Fátima Araújo, entre outros, Franzi propôs à turma 74 de Psicologia, Educação e Temas Contemporâneos da EACH/USP uma reflexão a cerca de questões tais quais as citadas a seguir: "Como escolhemos nossas relações amorosas?", "Que valores estão postos nessas escolhas?", "Como podemos refletir e nos educar em nossas escolhas?", "Existem indicadores que permitem essa reflexão?".
Para ajudar a compreender tais indagações e porque respostas para as mesmas muitas vezes não são percebidas facilmente, Valéria Arantes e Jane Felipe recorrem à atuação das escolas,já que essas exercem papel fundamental na sociedade como difusoras de conhecimento. Arantes, em seu livro "Afetividade na Escola", inscreve como instituições de ensino podem trabalhar com a dicotomia entre razão e emoção, com o sentimento,assunto tão pouco abordado nesse âmbito. Felipe, por sua vez, ressalta a deficiência da escola ao tratar e conscientizar seus alunos sobre aspectos ligados à intimidade de cada um, como sexualidade, por exemplo. Tema esse, muito relacionado às diferentes concepções de amor, como bem sugere o título do
artigo - "Representações de amor romântico: implicações para a Educação Sexual na escola"- no qual Felipe (b- p.1-2) menciona:


 no âmbito da escola, é possível observar alguns esforços no sentido de discutir a sexualidade, mas muitas vezes este tema é abordado apenas sob o viés da prevenção, do medo da doença e da morte, acrescido de um certo pânico moral.(...) Apesar da  relevância dessas iniciativas, considero fundamental desenvolvermos, no   âmbito da escola, uma abordagem mais ampla em torno da sexualidade, enfatizando os aspectos                                                                  culturais que a envolvem. 


Nesse sentido, ainda que a escola não omita temas como os citados e exerça papel bastante considerável no que se refere a alertar, sobretudo os jovens, a respeito de aspectos preventivos relacionados à doenças sexualmente transmissíveis e gravidez precoce, mostra-se desvirtuada a medida que restringe informações com respostas estáveis favorecendo apenas o ensino de fatos em detrimento da compreensão de questões íntimas (BRITZMAN, Debora. 1999, p. 85;90 apud a- FELIPE, Jane) as quais são ignoradas como se não tivessem relevância no comportamento humano. Esse posicionamento reflete a mentalidade, talvez alienada, de indivíduos e, mais que isso a cultura, os valores sociais que a projetam e delineiam inclusive as relações afetivas.



Os ditos populares "em briga de marido e mulher não se mete a colher", "entre quatro paredes vale tudo", por sua vez, transmitem a ideia de que no Brasil a violência de gênero é tratada como algo de âmbito privado e não público, consequência de informações que por muito tempo são disseminadas até tornarem-se arraigadas, consolidando, então, certa ideologia dominante. Além disso, ainda no que tange à violência, muito são criticadas as mulheres que maltratadas pelos parceiros afetivos ou apenas conjugais, permanecem com os mesmos. É desconsiderado, entretanto,  que tais relações, em geral, são frutos de tradicionalismo e concepções conservadoras, machistas - a cerca de conjugalidade -, em que a mulher se submete à dominação masculina por dependência econômica ou mesmo por não se sujeitar a difamações de vizinhos e parentes numa dada conjuntura cultural. Relações conjugais assim remetem ao "amor cortês" que mais tarde influenciou o surgimento do "amor romântico"1 e da fundação do casamento como ápice do amor até assumir as configurações de "amor confluente"2 e "relacionamento puro"3, as novas formas de relacionamento amoroso.
Mas afinal, o que é amor? Qual sua relação com sexualidade e conjugalidade?


amor é uma crença emocional e, como toda crença, pode ser mantida, alterada, dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida. O amor foi inventado como o fogo, a roda, o casamento, a medicina, o fabrico do pão, a arte erótica chinesa, o computador, o cuidado com o próximo, as heresias, a democracia, o nazismo.(...) Como uma construção histórica e cultural, o amor, a paixão, bem como seus desdobramentos em termos de relação, merecem ser amplamente discutidos na perspectiva de uma educação para a sexualidade, e aqui utilizo essa expressão por entender que ela pode acionar discussões mais abrangentes quando se trata de refletir sobre nossos prazeres e desejos, não se restringindo ao sexual como ato, mas proporcionando outras vias de discussão e temáticas diversas, para além do viés biologicista (b- FELIPE, Jane).


De acordo com Araújo (2002), a vinculação de amor à sexualidade e ao casamento é uma criação da era burguesa que ganhou força a partir do século XVIII, quando, no casamento, a sexualidade passou a ocupar um lugar importante. Com o advento da modernidade e a crise do matrimônio a independência tornou-se condição para viver uma relação amorosa, num tempo em que acentuou-se a individualização, a "epidemia de egoísmo", a "febre do eu" em busca de autonomia e determinação própria do sujeito. Tais características favorecem espaço para o amor  confluente no qual respeito, liberdade e confiança são negociados e conversados o tempo todo.




No contexto brasileiro, principalmente entre os segmentos médios urbanos mais intelectualizados, o casamento tradicional regido pela dominação masculina vem dando lugar a outra forma de casamento, onde a mulher reivindica igualdade e há uma constante negociação no relacionamento, conforme descrevemos em outros trabalhos (Araújo, 1993 e 1999). Nesse tipo de casamento, a intimidade tende a se reestruturar com base em novos valores, entre os quais amizade e companheirismo se colocam como fundamentais.(...) Nesse cenário, as mulheres tiveram um papel de revolucionárias emocionais da modernidade e prepararam o caminho para expansão da intimidade.(...)Tal conquista tem permitido o surgimento de outras formas de relacionamento amoroso, tanto no contexto heterossexual quanto fora dele. Vivemos hoje no signo da pluralidade. O casamento formal, heterossexual com fins de constituição da família, continua sendo uma referência e um valor importante, mas convive com outras formas de relacionamento conjugal como as uniões consensuais, os casamentos sem filhos ou sem coabitação, e também as uniões homossexuais. Nesse processo de transformação da intimidade, dos valores e das mentalidades, a tendência da sociedade é tornar-se cada vez mais flexível para acolher essas novas configurações das relações amorosas (ARAÚJO, 2002).


Tal compreensão da dimensão histórica do tema "amor" possibilita responder por que amamos quem amamos - o que antes se mostrava uma busca insana sobre como o amor se instala nos seres humanos -, como amamos - nossas escolhas afetivas -, uma vez que a partir daí se faz perceptível como os processos socializadores que vivenciamos influenciam as pessoas à atração por determinado modelo de homem e/ou de mulher, entre outras questões, possibilitando até mesmo um auto-conhecimento e por que não um melhoramento das relações interpessoais e afetivas sobrevindas do bem estar de um ser humano menos conflitivo e mais esclarecido.


1."A diferença é que, embora o amor romântico suponha uma igualdade de envolvimento emocional entre duas pessoas, durante muito tempo as mulheres foram mais afetadas pelos seus ideais. Os sonhos do amor romântico conduziram muitas mulheres a uma severa sujeição doméstica. O ethos do amor romântico teve um impacto duplo sobre a situação das mulheres: além de ajudar a colocar as mulheres "em seu lugar" - o lar -, reforçou o compromisso com o "machismo" ativo e radical da sociedade moderna. Os ideais do amor romântico começaram a se fragmentar com a emancipação sexual e a autonomia femininas. O declínio do 
controle sexual dos homens sobre as mulheres colocou possibilidades reais de transformação da intimidade."(ARAUJO, 2002).


2."O "amor confluente" é mais real que o amor romantico, porque não se pauta pelas identificações projetivas e fantasias de completude. Presume igualdade na relação, nas trocas afetivas e no envolvimento emocional. O amor confluente introduz a ars erotica no cerne do relacionamento conjugal e transforma a realização do prazer sexual recíproco em um elemento-chave na manutenção ou dissolução do relacionamento. Desenvolve-se como um ideal em uma sociedade onde quase todos têm a oportunidade de se tornarem sexualmente realizados. Ao contrário do amor romântico, o amor confluente não é necessariamente monogâmico nem heterossexual"(ARAUJO, 2002).


3."O "relacionamento puro" é um relacionamento centrado no compromisso, na confiança e na intimidade. Implica em desenvolver uma história compartilhada em que cada um deve proporcionar ao outro, por palavras e atos, algum tipo de garantia de que o relacionamento deve ser mantido por um período indefinido.(...)Nesse tipo de relacionamento, o que conta é a própria relação, e a sua continuidade depende do nível de satisfação que cada uma das partes pode extrair da mesma."(ARAUJO, 2002).


Referências Bibliográficas:

a- FELIPE, Jane. Do amor (ou de como glamourizar a vida): apontamentos em torno de uma educação para a sexualidade. Disponível em: <http://discutindosexualidades.blogspot.com/2006/09/referncias-bibliogrficas-citadas-na.html>.

b- FELIPE, Jane. Representações de amor romântico: implicações para a Educação Sexual na escola. Disponível em: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/J/Jane_Felipe_07_A.pdf>.

ARAÚJO, Maria de Fátima. Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações. Psicol, cienc. Prof. [online]. 2002, vol.22, n.2, pp. 70-77. ISSN 1414-9893. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1414-98932002000200009&script=sci_arttext>.

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